2011/07/14

De siglas e significados

Tive bastantes dúvidas se haveria de escrever este texto aqui ou não. Ponderei até criar todo um novo blogue só para estes pensamentos. Mas achei que não fazia sentido. São questões que me são caras e que acho que neste espaço tenho todo o direito de pôr o que acho que deve ser posto. E isto, acho, tem que ser publicado nalgum sítio - porque não aqui?

Em conversa com uma amiga de quem gosto muito, tão sensível como qualquer pessoa mentalmente sã relativamente às questões dos direitos das minorias, cheguei à conclusão que há um certo artificialismo nas designações que se usam e que, em último caso, só servem para separar mais do que para unir.
Ora, sejamos honestos connosco próprios. Que diferenças é que há entre um gay e uma lésbica? Bem, claro, para além das óbvias - um gosta de homens e a outra gosta de mulheres. Mas, pondo isso de parte, que diferenças há entre um homem que gosta de homens e uma mulher que gosta de mulheres? Ambos conseguem perfeitamente amar o parceiro ou parceira, ambos conseguem ter afecto, dar e receber carinho... Ambos são homossexuais. Então, para quê diferenciar um homossexual do sexo masculino de uma homossexual do sexo feminino? Porquê separar o L e o G em LGBT(Q) em vez de ficar tudo englobado num grande H?

Repare-se. Poderá ser argumentado que se trata apenas de uma questão de semântica. Ou uma questão prática - gay e lésbica são palavras mais curtas que homossexual. Ou até se poderá argumentar que se trata de uma questão que se convencionou, que é assim e pronto. Refuto estes argumentos de forma bastante simples. Trata-se, obviamente, de uma questão de semântica. E aí é que reside o grande problema. É que as palavras são símbolos elas próprias. Em sendo símbolos, sabe-se que representam algo, mas não é apenas a palavra em si que representa algo, não é apenas o som, as letras que a compõem - é também o contexto. Analisemos a forma como as palavras 'lésbica' e 'gay' estão inseridas na sigla LGBTQ: separadas. E não se pode ignorar esse facto. Separadas semanticamente, separadas praticamente. De resto, não é mais prático escrever gay e lésbica do que escrever homossexual - a diferença é de uma letra e nunca mal nenhum veio ao mundo por alguém ter de inserir mais um caracter. Nem se trata tampouco de uma convenção e, mesmo que se tratasse, as convenções que se consideram obsoletas - e quero desde já dizer que acho a sigla LGBTQ obsoleta e avisar que vou propor mais à frente uma nova designação para a comunidade - são demolidas e sobre os seus restos construídas convenções ou ideias mais modernas e refrescantes.

Porque não juntar, então, o L e o G num só H? Eu explico porquê: porque há uma relutância heterossexista em fazê-lo e isso afecta, ainda que o possa afectar a um nível inconsciente, os activistas da comunidade. É sabido que há um certo desagrado por parte dos heterossexuais para com a comunidade homossexual. No entanto, pergunte-se ao homem heterossexual médio se não gostariam de ver duas mulheres aos beijos e eles dizem que sim. Até algumas mulheres gostariam de ver dois homens aos beijos, sobretudo em algumas culturas de que tenho conhecimento (a japonesa, por exemplo, onde a maior fatia do bolo do yaoi é consumida por mulheres japonesas). Daí a necessidade de separar as águas - lésbicas para um lado, gays para o outro. Mas o que provoca isto? A pensar nesta questão deparei-me com um assunto particular de um rapaz que esteve em vias de namoro com uma rapariga antes de ela se aperceber que era lésbica. Esse rapaz nunca perdeu a esperança de alguma vez a voltar a conquistar e a levar para o lado heterossexual da Força. E creio que é disso que se trata. LGBT, ou só LGB, ou ainda LGBTQ, foram siglas que surgiram logo, mas por mais variantes que houvesse, o L e o G estavam sempre irremediavelmente separados. Não é uma certeza, mas desconfio que isto se deve ao facto de haver uma espécie de esperança colectiva por parte dos heterossexuais de heterossexualizar, cada grupo à sua maneira, os gays e as lésbicas. Daí a necessidade de os manter separados. Até porque, mantendo-os separados, cria uma fraca união que, por vezes, gera a discussões que eu já assisti do género "como é que sendo mulher és capaz de beijar algo sem ser um homem" ou "como é que tu és capaz de gostar desse penduricalho que vocês têm aí". Essas discussões - felizmente raras e reveladoras de homofobia dentro da homossexualidade - são fruto da separação e das barreiras que existem entre as L's e os G's.

Assim, a minha proposta passa, numa primeira fase, por unir essas duas siglas. Não faz sentido não tratar os bois pelos nomes e complicar. LG é, no fundo e à superfície, um H. Por isso, numa primeira fase, a sigla melhor é HBTQ. Mas não acaba aqui.

O B tem de continuar separado. Não fazia sentido que não fosse assim. É uma pessoa que se sente sexual e afectivamente atraída por dois sexos. Mas a designação de T está muito mal representada. Isto porque T pode significar duas coisas, que são diferentes: transexual e transgénero. E, em alguns casos, travesti, mas deixemos esse caso de lado, que terei outros momentos e outras alturas para o debater. Transexualidade é, literalmente "através dos sexos", ao passo que transgénero é "através dos géneros". Se considerarmos que sexos existem dois, mas que género pode ser uma variedade virtualmente infinita de designações dentro de um espectro, temos que os transexuais são pessoas que vão para lá do seu sexo e se adaptam a determinadas realidades do sexo oposto. Transgéneros são aqueles que, pertencendo a um determinado sexo, se vêem como sendo uma pessoa para lá disso, para lá da designação homem/mulher, masculino/feminino. É um assunto dentro do qual, confesso, não estou muito dentro, mas numa hipótese que tenha mais aberta de fazer uma melhor investigação, fá-la-ei.

Assim, mantendo inalterado o B, temos dois T's, ou três, se retirarmos os travestis da designação transexual. Temos então a sigla em construção HBTT. E o Q?

Q é de queer. Literalmente, estranho. Se, de início, esta palavra tinha uma conotação altamente pejorativa, a pouco e pouco foi sendo adoptada e acarinhada pela comunidade HBTT (sim, começa já em funções) e passou a designar ora uma coisa, ora outra. Passou a designar ora as pessoas mais flamboyant (independentemente da sua sexualidade), ora todo e qualquer homo ou bissexual ou transexual ou transgénero que estivesse muito entranhado na cultura heterossexual, assim, estranho, literalmente, a essa cultura. Em ambos os casos a diferença é crucial. É a diferença entre termos uma sigla com cinco letras ou uma sigla com uma letra apenas.

Se se considerar queer como sendo os flamboyant sexual-independentes, temos uma sigla com cinco letras: HBTTQ.

No entanto, considerando queer como sendo qualquer orientação sexual ou de género diferente da heterossexual num mundo heterossexual, temos uma sigla apenas com uma letra: Q. Não vale a pena complicar. Para quê usar etiquetas se fazem todos parte de um grande grupo Q? Para quê subtrair valor de algo que é o mais valioso de todos os nomes? Comunidade Q. Até soa bem. Como um condomínio privado, quase. 

Mas, é certo, nem todos terão as mesmas interpretações. Assim, as duas siglas que proponho em vez de uma obsoleta LGBT(Q) são HBTTQ ou Q. Pessoalmente sou afecto à segunda.

Mas, claro, a velha questão. Isto são tudo artifícios. A grande problemática é que HBTTQ, LGBT(Q) ou Q são tudo coisas inúteis se virmos a questão bem de fundo, aquela questão que eu não me canso de repetir. É que o ideal não é arranjar uma sigla nova, moderna e fresca. A questão é que ninguém é heterossexual, ninguém é homossexual, bissexual, transexual, transgénero ou queer. Somos todos pessoas. Assim, anseio por quando a humanidade deixar esses rótulos de lado e se juntar toda numa grande sigla, a maior delas todas, a que, no fundo, somos todos - P. De pessoas.

2 comentários:

Ela disse...

Incrível, ainda ontem me deparei com o mesmo pensamento, ponto por ponto! Estive para dizer 'Great minds think alike' mas, sem querer retirar qualquer valor, não é preciso ter uma great mind, só uma não obtusa. De qualquer forma apetece-me agradecer-te por teres posto por escrito (e de uma bela forma) o que me vai na cabeça. :)

Tiago Emídio Martins disse...

Hehehe, ora essa, o prazer da visita e do comentário e dos elogios foi todo meu! :)