2011/06/24

Da naturalidade da homossexualidade

Há "pessoas" (justificam-se as aspas pela minha incerteza da 'pessoalidade' desses seres) que dizem que a homossexualidade é, cito, 'contra-natura'. Curta e grossamente, só digo isto: não é. A homossexualidade existe noutros animais, comprovada e aceite no meio científico, em algumas aves, mamíferos, insectos e répteis. Então, se a homossexualidade está presente em animais tão diferentes como um bisonte ou uma libelinha - que não têm centros de prazer sexual (já explico o porquê deste reparo) -, até que ponto poderão ou não ser verdade alguns argumentos em relação à homossexualidade?

Há uma concepção bastante aceite que teoriza que a homossexualidade é um processo evolutivo que vem unicamente do prazer em ter sexo. No entanto, esta concepção, para além de não ser comprovada com qualquer dado científico, é bastante errada como um argumento contra a homofobia. Diria mesmo que é uma concepção a roçar o perigoso. As intenções serão, por ventura, boas. Percebe-se porque é que algumas pessoas pró-direitos LGBT usam esse argumento: que há de mais natural que a evolução? Apesar disso, eu, um defensor desses direitos, recuso visceralmente esse argumento. Por uma questão muito simples. Até acredito que seja um processo evolutivo qualquer (de memória, recordo-me de um estudo a dizer que as netas de lésbicas têm índices de fertilidade duas vezes superiores que a média das mulheres), mas não este. Porque é este argumento que leva às ideias mais perigosas e erradas acerca da homossexualidade. Se a homossexualidade se justificasse apenas pelo prazer sexual, era o alívio teórico de todas as bestas de duas patas que reclamam que a homossexualidade é igual à pedofilia ou à zoofilia. Para além do mais, surge agora o caso da homossexualidade noutros animais. É certo que são animais que tiveram processos evolutivos completamente díspares do nosso, mas se a homossexualidade se devesse à evolução pela maximização do prazer, esta não ocorreria em animais sem prazer sexual.

Por outro lado, não se deve descartar de todo a hipótese do prazer sexual como resultado de uma qualquer evolução. Mas não dizer que é o único pilar de desenvolvimento da homossexualidade enquanto resultado natural. A capacidade de um ser humano homossexual se apaixonar, ser capaz de ter uma relação monogâmica perfeitamente estável e de nutrir uma amizade profunda pelo seu companheiro (perdoem-me as feministas, mas na língua ainda sou muito conservador), são capacidades comuns aos heterossexuais e que não serão, porventura, o resultado directo do prazer sexual. Assim sendo, de onde vem a homossexualidade?

Repudio teórica e praticamente a expressão tão popular 'opção sexual'. É uma mentira descarada, infelizmente tão propagandeada pelos nossos fracassados, ignorantes e incompetentes media. E quem pensa de tal forma, usa tal expressão ou aceita o seu uso corrente é, ou estúpido, ou preguiçoso ou ignorante. Quando me falam nisso eu tenho o hábito de interrogar prontamente em que fase da vida do meu interlocutor é que ele tomou a opção de ser heterossexual. Ou quando é que lhe deram a escolher: "Olha, podes ser heterossexual, que é gostar do sexo oposto, ser homossexual, que é gostar do mesmo sexo que o teu, ou ser bissexual, que é gostar de ambos os sexos". Geralmente fico sem resposta. E ainda bem, porque arriscava-me a ridicularizar qualquer tentativa de argumentação que daí viesse. Porque raio é que os homossexuais, tendo a possibilidade de viver uma vida sem qualquer tipo de discriminação ou stress, escolheriam ser homossexuais? A não ser que se seja muito inconformista, não se trata de uma opção, mas sim de uma orientação natural da sexualidade. A questão é, qual a natureza dessa orientação natural? Genética? Ambiental? Neurológica? Aparentemente, todas as três hipóteses poderão estar correctas, de acordo com algumas experiências científicas, nomeadamente as que são efectuadas tendo como alcance alguma família mais próxima.

Nas suas experiências de 1993, o Dr. Dean Hamer encontrou um marcador genético no cromossoma X a que se deu o nome de Xq28. Acredita-se ser este o marcador responsável pela homossexualidade. Apesar de refutado já por três vezes, fazendo uma defesa deste argumento científico, o Dr. Hamer conseguiu defender com sucesso a sua descoberta, sustentada por observações de hereditariedade em que se verificou que 67% de irmãos homossexuais partilham o 'gene gay' e, ainda, que havia 13% mais de hipótese de um desses irmãos ser homossexual se um tio materno também o for. Apesar de experiências posteriores terem revelado estes testes inconclusivos, a confirmarem-se, é a prova mais sólida contra a alegada 'cura da homossexualidade' e outras diarreias mentais.

Também algumas diferenças estruturais e funcionais no cérebro de homossexuais em relação aos cérebros dos heterossexuais reforça ainda mais a ideia de uma naturalidade da homossexualidade. Ressalve-se, no entanto, que são diferenças estruturais e funcionais não em termos de deficiência (o que seria, no mínimo, absurdo), mas ao nível de diferenças estruturais que existem naturalmente entre um homem e uma mulher, entre dois homens, entre um jovem e um idoso...

Em algumas observações em relação à influência do meio, há a forte sugestão da importância do ambiente na determinação sexual de alguns indivíduos. Note-se a hipótese proposta por alguns cientistas de que um pai distante e uma maior afecção por parte da mãe é quase padrão de um homossexual masculino. 

Há ainda o resultado de um estudo realizado com gémeos, em 2008, que diz que a um nível primário há uma condicionante genética e hereditária e, depois, a uma maior escala estão os efeitos ambientais, que podem inclusive incluir condicionantes pré-natais.

É muito simples ser homofóbico. A sociedade, directa ou indirectamente, quase que nos encaminha nessa direcção. Mas não se trata de se ser contra ou de se ser a favor da homossexualidade. Eu não sou a favor nem contra pessoas com olhos verdes, nem a favor ou contra anões. A homossexualidade, como qualquer outra característica humana (e não humana), tem condicionantes naturais, que são impossíveis de prever ou de contrariar. Não se trata de um gosto ou de uma opção. Não se trata de se ser pró ou contra a homossexualidade. Tratam-se de seres humanos. Seres humanos a que calhou na vasta improbabilidade cósmica da genética e do ambiente gostarem de indivíduos do mesmo sexo. Trata-se, sim, de se ser pró ou contra os direitos da população LGBT. Trata-se de aceitar uma relação entre pessoas do mesmo sexo com todos os direitos de uma relação entre duas pessoas de sexo oposto, porque, na verdade, a única diferença é a genitália de um dos intervenientes da relação. Os heterossexuais são capazes de amar e os homossexuais também. Os heterossexuais são capazes de chegar a casa e falar do seu dia com a pessoa que amam e os homossexuais também. Os heterossexuais são capazes de ter uma relação estável e os homossexuais também. Os heterossexuais são capazes de manter todos os votos de um casamento e os homossexuais também. Os heterossexuais são capazes de cuidar de uma criança com todo o seu amor e os homossexuais também. A questão é se lhes é dada essa oportunidade. Por mim dou-a. Por mim, enquanto cidadão consciente e socialmente activo, exijo que sejam concedidos os mesmos direitos à comunidade LGBT que são concedidos às demais pessoas. Exijo que lhes seja reconhecido legalmente o direito de se amarem sem serem olhados de lado ou vítimas da mais vil e cruel demagogia. Exijo que as pessoas LGBT possam andar de mão dada ou dar um beijo na rua sem ter, ou rebarbados a olhar, excitados, ou rebarbados a olhar, reprovadores. Exijo que se reconheça a capacidade de parentalidade dos LGBT, com todas as suas capacidades e carinho pela criança que terão.

Mas é um longo e duro caminho que não se esgota com a aprovação de uma ou outra lei nos órgãos competentes. Esse é o início. O grande fim é mudar a mentalidade mesquinha e pequena que impera na sociedade. E começar a mudá-la, uma pessoa de cada vez. Não ter medo da discussão. Mas ser também capaz de reconhecer casos perdidos, até para bem do defensor dos direitos LGBT. Mas ser igualmente capaz de mandar à merda quem não merece uma discussão.

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