Curta e grossamente, o Dr. Fernando Nobre representa dois perigos para a democracia. Se o faz de propósito ou acidentalmente, isso não sei, mas uma coisa é certíssima - o perigo do desconhecimento e o perigo anti-partidário são sinónimos da campanha do Dr. Fernando Nobre nestas presidenciais. Pulando a óbvia contradição de que ataca constantemente o sistema político, mas agora quer fazer parte dele, tenho uma série de coisas a dizer sobre um candidato cujo humanismo e vivência são exemplares, mas que, enquanto candidato, assemelha-se mais a um puto mal-comportado.
O Dr. Fernando Nobre parece estar perdido no meio de tantas políticas. Candidata-se a um cargo de representante do povo português, comandante supremo das forças armadas e não sabe muito bem o que isso significa. Significa, a grosso modo, que, arrisco-me a dizer, 90% das propostas que faz são inviáveis. Para não ser mais rude e dizer inúteis. Propõe o Dr. Fernando Nobre a criação de Conselho de Estado Informal, com a participação de jovens de todo o país, convocado mensalmente. Se, a uma primeira vista, esta proposta parece inocente e bem intencionado, esmiúçando bem consegue-se ver que esse Conselho de Estado Informal nada é mais do que uma ferramenta que o Dr. Fernando Nobre está a utilizar para cativar o voto a mais gente, leia-se, os jovens. O Conselho de Estado, de acordo com o Artigo 142º tem, entre membros permanentes - como os antigos Presidentes da República -, membros eleitos pela Assembleia da República - como, por exemplo, o Provedor de Justiça - e cinco membros designados pelo Presidente da República e cinco membros designados pela Assembleia da República. Criar, sem qualquer tipo de previsão constitucional sobre o assunto, um Conselho de Estado Informal, sem explicar o método de eleição, convocação e poderes atribuídos, é um atropelo à Constituição da República que o próprio Presidente jura fazer cumprir. E não é só pelo Artigo 142º. Vejamos o 144º, ponto 1, que também tem bastante interesse: "Compete ao Conselho de Estado Elaborar o seu regimento". Ao Conselho de Estado. Não compete ao Presidente da República (que tem a função sola de presidir ao Conselho) e, já agora, muito menos a um Presidente wannabe que não conhece a função para a qual se candidata. O que se segue é, seguramente, dos piores. O Dr. Fernando Nobre propõe-se a, se for eleito, passar uma semana por ano nos Açores e outra na Madeira. Aqui comete uma atrocidade enquanto candidato a Presidente da República que quase me deixa sem palavras. Quase. Portanto, numa tentativa de cativar votos nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, o Dr. Fernando Nobre propõe-se a passar lá uma semana por ano, em cada uma, revelando assim, claro, que está, não a demonstrar que se preocupa com todo o Portugal de igual modo, mas que se preocupa com a Madeira e com os Açores duas vezes por ano, fazendo visitas oficiais, de qual país estrangeiro se tratasse. Ou passando férias. De qualquer modo considero, mero mortal, que uma descriminação atentadamente positiva, revela-se como sendo profundamente negativa e portadora de uma maior argumentação de quem acusa o Continente de ser demasiado pouco voltado para as Ilhas. Estou em crer que, com o Dr. Fernando Nobre, o Dr. Alberto João Jardim sofria mais uns quantos ataques cardíacos...
A última que me proponho a analisar é a pior de todas, a mais demagógica, a mais anti-democrática e sem dúvida a mais populista. O Dr. Fernando Nobre propõe que se reduzam os deputados para 100. E usa como argumento o facto de existirem poucos habitantes por deputado (ou seja, por existirem cerca de um deputado por cinquenta mil habitantes, mais coisa menos coisa), coisa absurda que não existe em mais lugar do Mundo, segundo o Dr. Fernando Nobre. E aponta a França, a Alemanha e a Espanha onde os números confirmam, de facto, o que ele diz. Mas "esquece-se" muito convenientemente o candidato Dr. Fernando Nobre, de olhar para os países com população semelhante à de Portugal. A Bélgica, com pouco mais de 10 milhões e 200 mil habitantes, tem no seu Parlamento Federal, entre deputados e senadores, 223 pessoas ao serviço do povo. A República Checa tem um número semelhante de habitantes e, também entre deputados e senadores, 281 pessoas no seu Parlamento. A Hungria mal passa dos 10 milhões de habitantes e tem, nada mais, nada menos, que 386 lugares na sua Assembleia Nacional. A Grécia, com um número de habitantes pouco superior a 11 milhões e 300 mil é o que, em termos de população, mais se assemelha a Portugal. E conta com o espantoso número de 300 pessoas no seu Parlamento Helénico! E depois é um crime Portugal não ter número de deputados mais reduzido. Mas, revelada a estupidez da questão, vejamos porque é perigosa para a democracia em que vivemos. Estamos numa democracia representativa. Isso significa, Dr. Fernando Nobre, que não são os cidadãos directamente eleitos para os órgãos de soberania (à excepção do Presidente da República), mas são-no, sim, em listas partidárias ou de movimentos de cidadãos. Partidos, esses, há-os na Assembleia que actualmente temos, em todos os gostos, da direita à esquerda, passando pela faixa central. E todos eles têm em comum terem sido eleitos pelos mais diversos círculos partidários, qualquer um dos vinte e dois círculos que existem. Ora, na proposta do Dr. Fernando Nobre, pode verificar-se que o candidato quer que os deputados sejam reduzidos para 100 para fazerem um melhor trabalho e, mais importante, manterem um contacto mais pessoal com quem os elege, em cada um dos círculos eleitorais. Dr. Fernando Nobre, a minha área é tudo menos matemática, mas até eu me apercebo que, com a redução de deputados para 100, há círculos eleitorais que desaparecem ou, pura e simplesmente, elegem qualquer coisa como meio deputado. Como é que os deputados poderiam manter um contacto com a população que os elegia se não existia essa população representada por deputado algum na Assembleia da República? Isso levaria também ao gravíssimo problema da eleição dos partidos que não o PS ou o PSD. Esses partidos ou coligações (CDU, BE e CDS-PP) veriam representados na Assembleia da República apenas os deputados que elegeriam (se elegessem) por Lisboa ou pelo Porto. Assim, assumindo que o leitor ainda não tem provas suficientes do ridículo que é esta proposta, apresento o argumento do paradoxo. Para a proposta resultar, efectivamente, sem o estrangulamento de nenhuma população distrital ou sem o desaparecer de partidos políticos, poderia ser criado um círculo uninominal, apenas. Isto é, todos os eleitores votavam em todos os candidatos numa lista única, comum a todo o país, à semelhança do que já acontece nas eleições para o Parlamento Europeu. No entanto, isto fazia aquilo que o Dr. Fernando Nobre abomina em toda a sua campanha: o distanciamento político dos cidadãos eleitores. Portanto, em paradoxo, esta hipótese auto-exclui-se pelas propostas do Dr. Fernando Nobre. Ai, ai, ai, que dor de cabeça!
Dr. Fernando Nobre, o político que abomina a política, fez aquilo que os maus políticos mais e melhor sabem fazer: prometer o que nunca poderá cumprir.
2 comentários:
Tiago, li atentamente o que escreveste à cerca do candidato Fernando Nobre e venho aqui contrapor algumas das opiniões que apresentaste.
Ponto número 1- Um candidato como é Fernando Nobre que nunca se viu envolvido na vida política e que por essa mesma razão, não tem opinião formada no seio dos eleitores, vê-se obrigado a sugerir e a partilhar algumas das suas crenças, e se bem o tenho percebido não tanto com o intuito das colocar em prática mas sim de as dar a conhecer e para que os eleitores conheçam um pouco melhor o candidato e o político Fernando Nobre.
Ponto número 2: Em relação à redução do número de deputados pareceram-me infelizes alguns dos exemplos que citaste, caso da Grécia, visto não serem o melhor exemplo de gestão financeira como é fácil de compreender actualmente, pelo contrário nações como a Alemanha e a França que dominam o contexto europeu, parecem-me exemplos mais acertados para um país ainda em aprendizagem como o nosso seguir
Finalmente e por último, quando falas nos círculos eleitorais, já puseste a hipótese de redução de eleitos nos maiores círculos como são os casos de Lisboa e Porto que representam aproximadamente de 40% dos candidatos eleitos.
Já agora parabéns pelo texto, está extremamente bem elaborado
Diogo 12ºc
Vivas, Diogo! São, realmente, excelentes contrapontos à minha argumentação, aos quais também não posso deixar de contrapôr.
Quando dizes que o Dr. Fernando Nobre (por quem, aliás, enquanto fundador e presidente da AMI e do seu trabalho, sinto uma profunda admiração) nunca se viu envolvido na vida política, não é bem assim... O Dr. Fernando Nobre apoiou publicamente o PSD e o Dr. Durão Barroso nas legislativas de 2002 (decisão, aliás, de que se arrependeu e disse-o já várias vezes), apoiou Mário Soares nas presidenciais de 2006, foi mandatário nacional do Bloco de Esquerda nas europeias de 2009 e, ainda nesse ano, apoiou o actual presidente da câmara de Cascais na sua recondução de mandato. Não é, exactamente, o apolítico que ele tenta parecer que é (apesar de ter dito no seu discurso de apresentação de candidatura que é "apartidário, mas não apolítico"). Mesmo não tendo o Dr. Fernando Nobre uma opinião formada junto dos cidadãos, vemo-lo a cair no discurso do mau político, a partilhar as suas crenças, é certo, como dizes, mas a levar o cidadão comum a votar nele com base em algo que não pode acontecer. Pode-se votar nele pelo seu percurso de vida, pode-se votar nele porque tem um sorriso bonito ou um estrabismo sexy ou, em última análise, porque nenhum dos outros agrada minimamente. Mas estou em crer que não se deve votar no Dr. Fernando Nobre, o político. E, quer queira quer não, está a candidatar-se a um cargo político. Outra coisa que me desagrada profundamente é o facto de o Dr. Fernando Nobre juntar todos os políticos nas críticas que faz. Aí cai num erro crasso. Se é verdade que eu concordo com o que ele diz no que toca ao PS/PSD, o mesmo já não concordo quando mete no mesmo saco a CDU, o BE e, mesmo sendo de esquerda admito-o, o CDS-PP. São três forças políticas que fazem bem o seu trabalho e que, em matéria de contrato com o eleitorado, raras ou nenhumas foram as vezes que falharam.
Sim, é verdade que não são os melhores exemplos, mas são os que há e os que devem servir de paradigma à nossa própria situação. Não devemos tentar meter o Rossio na Betesga, da mesma forma que não devemos transpor uma realidade francesa ou alemã para a nossa. São países que têm quase seis e oito vezes mais habitantes que nós, respectivamente. E, em tendo mais habitantes, têm mais eleitores, a dispersão dos votos é maior e, logo, o número de habitantes por círculo eleitoral é maior. É lógico que sejam necessários mais habitantes para eleger um número de deputados com que seja possível trabalhar, no caso da França, 920 (entre deputados e senadores), e, no caso da Alemanha, 691 (entre o Bundestag e o Bundesrat, respectivamente a Câmara Baixa e Câmara Alta do parlamento alemão).
Acho que reduzir os círculos de Lisboa e do Porto seria uma discriminação desses círculos face aos outros. Se esses fossem reduzidos, o número de pessoas necessárias para eleger um deputado teria de ser muito superior ao que é agora, que se encontra equiparado com os restantes círculos eleitorais. Penso que não se deve mexer no número de deputados, reitero, devido, sobretudo, ao risco de desaparecimento dos ditos "pequenos partidos" (CDS, PCP, PEV e BE). Para uma democracia funcional e plural é necessário que estejam representadas na Assembleia da República tantas forças políticas quantas aquelas que o povo eleger. Sou adepto fervoroso da máxima "quantos mais, melhor" aplicada à democracia e estou em crer que mais partidos pequenos deveriam estar representados na AR. Senão, o que nos resta? O PS, com ou sem D, que cada vez mais se confundem...
Muito obrigado pelos pontos que enumeraste. Esta é, claro, a minha opinião, vale o que vale e pouco tem de objectivo. Mas creio tê-la expressado bem. Obrigado pela visita e, também, pelos elogios!
Forte abraço,
Tiago
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