Daria para todo um volume, o que vou tentar condensar aqui. Mas sinto a necessidade de o escrever como os peixes necessitam de água. Porque algo está mal, algo está muito mal, e não há grande coisa em vista que nos diga que vai mudar. Já por este espaço falei nisto, mas hoje é a fundo. Hoje é tudo aquilo que alguma vez quis dizer ou escrever mas que nunca o fiz. Hoje é chamar os bois pelos nomes, aclamar quem faz bem e apontar o dedo a quem faz mal. Porque isto é um caso de cidadania, um caso de respeito e, infelizmente, tantas vezes um caso de polícia. Isto a que me refiro são os direitos das lésbicas, dos gays, dos bissexuais e das pessoas trans (-género ou -sexuais).
Pelo princípio é que se começa: um homossexual é uma pessoa que se sente sexualmente atraída por pessoas do mesmo sexo (as lésbicas e os gays, portanto); um bissexual é uma pessoa que se poderá sentir atraída (já lá iremos à questão do poderá) por pessoas de ambos os sexos; uma pessoa transgénero é uma pessoa que nasce com uma psiquê de um determinado género, no corpo do género oposto; transsexual é uma pessoa que muda fisicamente de sexo para se encaixar em modelos sociais onde se sente mais confortável.
É sempre bom começar por explicar alguns conceitos. Doravante, de cada vez que usar aqueles termos, já se sabe ao que me refiro. No entanto, algumas explicações ainda são devidas, nomeadamente de cariz mais sexológico que já propriamente nos campos socio-políticos dos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans).
A sexualidade, para começar, não é a preto e branco com tons de cinzento. Não se é ou heterossexual, ou homossexual, ou bissexual. Há todo um espectro de cores dentro da sexualidade, toda uma configuração espectral que torna possíveis termos como "exclusivamente homossexual" ou "predominantemente heterossexual, ocasionalmente homossexual". Trata-se de sexualidade, simplesmente. Aquele homem casado há trinta anos pode perfeitamente ser feliz com a mulher, mas sentir a necessidade de satisfazer o seu lado "ocasionalmente homossexual" (ou, quiçá - e correndo o risco de ser um pouco provocateur - o seu lado "predominantemente homossexual"). Os bissexuais, então, poderão ser considerados como tendo o maior dos espectros de actividade sexual. É um espectro que, no meio, tem "ocasionalmente heterossexual, ocasionalmente homossexual", mas cujas franjas podem ir até à zona da predominância - hetero ou homossexual. No entanto, uma concepção muito errada acerca da bissexualidade é que se trata de poligamia, de alguém que não está satisfeito com o que tem, ou que está a recalcar algo. Nada mais errado. Um bissexual trata-se de alguém que pode calhar sentir-se sexualmente atraído por pessoas do mesmo sexo ou de pessoas do sexo oposto, ponto final. Não é algo de estranho, é algo que já nos aconteceu a todos; só que, em vez de estar sexualmente atraído hoje por um rapaz ou por uma rapariga e amanhã por outra pessoa do mesmo sexo por que se sentiu antes atraído, está hoje atraído por um rapaz e amanhã por uma rapariga. E não acaba aqui. Como disse é um espectro, mas não é um espectro que vá, simplesmente, de A a B em progressão aritmética, de exclusivamente heterossexual a exclusivamente homossexual. Não, antes pelo contrário, é algo que pode dar voltas e voltas, completamente, digamos, wobbly-gobbly, e há tantas outras definições e termos novos que é preciso fazer uma investigação intensiva de todos eles para se chegar a uma lista completa e final - algo a que não me proponho, seja por não ter tais competências, seja porque não é acerca disso que quero falar. No entanto, que fique em claro que existem, para além das pessoas que já descrevi, pessoas que não se sentem atraídas por ninguém (assexuais), pessoas que se sentem atraídas por pessoas sem olhar para o seu sexo (pansexuais), pessoas que se poderão sentir atraídas por vários sexos - reconhecendo a existência de mais que dois (polissexuais) -, pessoas que se sentem atraídas por pessoas, sem olhar a sexo, género ou qualquer outra característica (omnissexuais), e, enfim, toda uma gama de pessoas, com atracções para todos os gostos.
O leitor mais arguto reparará, certamente, que me estou unicamente a referir a atracção sexual. Refiro-me a tal porque é exactamente o que a homo, bi e heterossexualidade são - termos que referem atracções e desejos sexuais. Não estou a falar de relações ou de romantismos. No entanto, será sempre pertinente explorar essa questão. Um bissexual, embora se possa sentir atraído por ambos os sexos (sexos, não géneros - e aqui refiro-me apenas aos convencionais masculino/feminino), poderá ter uma certa, chamemos-lhe, inclinação, para ter relações românticas com um deles. Essa pessoa bissexual será, então, heterorromântico ou homorromântico. No entanto, poderá haver uma espécie de equilíbrio entre as suas relações românticas; nesse caso, a nossa pessoa bissexual será birromântica. Poderá, ainda, dar-se o caso dessa pessoa não se sentir romanticamente atraída por ninguém, não querer relações românticas, apenas sexuais; nesse caso, estamos perante um bissexual arromântico. Embora, claro, tenha falado até agora apenas usando o exemplo de uma pessoa bissexual, fi-lo simplesmente porque é, sexualmente, a pessoa mais simples para eu dar um exemplo romântico, apenas porque é aquela pessoa que terá o seu espectro mais amplo. Em todos estes espectros seria, claro, redutor se apenas os bissexuais desfrutassem de várias possibilidades românticas. Não ponho de parte a existência de homo ou heterossexuais birromânticos, por exemplo, ou mesmo homossexuais heterorromânticos e heterossexuais homorromânticos. As combinações são, virtualmente, incontáveis.
Importa também, antes de mais nada, salientar a diferença entre uma orientação sexual e uma parafilia. Uma orientação sexual é, nada mais nada menos, que uma inclinação natural de cada indivíduo para a atracção sexual por determinado conjunto de pessoas com base no seu sexo ou género (este último caso, por exemplo, nos polissexuais ou nos pansexuais); a orientação sexual de um indivíduo faz com que ele ou ela se relacione sexualmente com um número limitado de pessoas do conjunto total com base nas suas características sexuais e/ou de género. Já no caso das parafilias, um indivíduo sente uma atracção sexual por um determinado conjunto de pessoas mas, em vez de ser com base nas suas características género-sexuais, é com base noutras características, como o facto de pertencerem a outra espécie que não seja a humana, ou por pertencerem a um grupo de pessoas com faixas etárias muito díspares daquela em que está inserido, ou qualquer outra coisa fora da classificação por características género-sexuais. É isto que difere uma pessoa com uma orientação sexual específica de uma pessoa com determinada parafilia: embora ambas sejam atracções ao nível sexual, uma diz respeito a características género-sexuais e a outra a características externas a essa classificação. Quer uma orientação sexual, quer uma ou mais parafilias podem coexistir num mesmo indivíduo. Exemplo: um homem adulto que gosta de mulheres adultas é um heterossexual; um homem adulto que gosta de mulheres adultas e de ter relações sexuais com elas estimulando e acariciando os pés e tirando prazer sexual de tal acto é um heterossexual com uma parafilia.
Assim, uma orientação sexual trata-se de algo dialéctico. Diz respeito ao alvo da atracção de um indivíduo ser uma determinada faixa no espectro género-sexual, onde essa faixa do espectro género-sexual existe apenas para o indivíduo e é criada para o indivíduo, de acordo com a sua disponibilidade na sociedade em que o indivíduo está inserido. Por outro lado, o indivíduo nascerá geneticamente programado para ter uma predisposição para determinadas faixas género-sexuais. Nasce, então, a orientação sexual, oriunda da predisposição genética para se sentir atraído por um grupo de pessoas e por esse mesmo grupo de pessoas estar disponível, ou não, na sociedade. Se esse grupo não estiver disponível - por exemplo, numa sociedade hipotética onde nascia um homossexual num meio exclusivamente feminino (digamos, se fosse poupada uma criança do sexo masculino homossexual no seio de uma sociedade amazona) -, só se poderá conjecturar o que poderá acontecer no desenvolvimento afectivo de um indivíduo. Temos inúmeros casos de pessoas que reprimiram a sua verdadeira orientação sexual por pressões sociais diversas, as mais notáveis sendo as religiosas. No entanto, apenas reprimiram, não fizeram desaparecer; e há relatos de alegados escândalos de políticos conservadores casados com mulheres, por exemplo, apanhados em relações sexuais com outros homens. A orientação sexual, nestes casos, estava lá, mas foi mascarada de tal forma que, ainda que apenas de forma temporária, conseguiu ser reprimida. Mas é claro e evidente de que não se trata de uma escolha e que tal ideia está profundamente errada. Está claro que nunca será completamente reprimida nem influenciada, sem ser com casos extremos de isolamento social ou de eugenia. E tal, numa sociedade respeitante dos mais básicos direitos humanos, será algo inaceitável.
Acredito que por esta altura já haja uma certa compreensão de como eu estruturo o meu pensamento em relação a estas questões, como utilizo os termos básicos como ferramentas para chegar a termos mais complexos e como penso, o mais cientificamente que me é possível, as questões LGBT. Não se trata de invenções minhas, de coisas que idealizo; também não se tratam de factos crus, em bruto: trata-se da minha interpretação dos factos a que vou tendo acesso, de forma rigorosa e sistematizada. Não é um texto para ter fontes no fim, remetendo para estudos, para ensaios ou para relatos; é um texto para dar a conhecer o que penso, como chego ao que penso e o que faço ou o que proponho fazer com isso. Dessa forma, acho que é pertinente entrar neste texto na continuidade do parágrafo anterior, de que a homossexualidade não é uma escolha, e em como não faz sentido sê-lo. Partirei, de seguida, para a questão da segregação dos LGBT e da necessidade e da importância da realização de determinados eventos, como paradas ou festivais de cinema. Posto isto, estão criadas as condições para avançar, depois, para as mal apelidadas de questões fracturantes, como o casamento ou a adopção homoparental. O bloco seguinte terá a ver com algumas ideias acerca do crescimento de crianças no seio de famílias homoparentais. De seguida falarei do papel da religião nos assuntos LGBT. Creio ser ajustado, então, terminar dizendo o que é que cada um de nós, individualmente e em comunidade poderemos fazer. "Em comunidade" porque não se tratam de pessoas sem rosto que vagueiam por aí em orgias infindáveis, repletas de ecstasy, paixão e música louca; tratam-se de pessoas com rosto, que se sentam ao nosso lado nos transportes e que existem - mas cuja voz é reduzida sempre com o mote de que há algo mais importante para discutir, ou que a sociedade ainda não está pronta para aceitar algumas coisas. Não sendo propriamente fã de Hillary Clinton, a senhora ex-Primeira-Dama dos Estados Unidos da América tem uma frase que ficará na História desta interminável luta: "Os direitos gay são direitos humanos." Nada mais certo. E porque não se tem tempo para esses direitos humanos? Porque é que há coisas mais importantes a fazer? Porque não tentar transformar a sociedade legislando no sentido de dar aos LGBT todos os direitos que deveriam ter? Não me proponho a responder a estas questões, mas elas estão lançadas e têm um destinatário. Destinam-se a todos aqueles que se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo; destinam-se aos que votam contra as crianças e contra os LGBT ao votarem contra quando se coloca em cima da mesa projectos que visam a abertura da possibilidade de adopção por parte de casais de pessoas do mesmo sexo; destinam-se aos que fazem do ódio a sua bandeira diária; destinam-se aos ignorantes por opção, àqueles a quem não falta o acesso à informação, mas que preferem não a usar; destinam-se a todos aqueles que por elas se sentem afectados e a todos os que deviam fazer um exame de consciência perante determinadas acções diárias. Enfim, são questões lançadas, que dificilmente terão resposta, mas que serão, decerto, de importante reflexão. Espero que, pelo menos, sirvam, tal como este texto, para isso.
I - A homo ou a bissexualidade não são escolhas.
Parto de uma premissa muito simples para afirmar o que afirmo. A homo e a bissexualidade são orientações sexuais, tal como a heterossexualidade. Nunca, em fase alguma da vida de um heterossexual, ele escolhe gostar do sexo oposto. Porque deveria um homo ou um bissexual escolher o mesmo sexo como potencial alvo da sua atracção? Porque deve, perante um tão largo espectro género-sexual, escolher-se, eventualmente entre outros, aquele que é seu igual?
A resposta mais simples é a orientação sexual, seja ela qual for, não ser uma escolha. Muitos, é certo, gostariam que fosse. Seria tão mais simples poder, um dia, acordar e pensar ser de uma orientação sexual diferente, e sê-lo, de facto. O simples facto de haver discriminação em torno nos LGBT deveria ser razão suficiente para pensar que não se pode mudar de orientação sexual ou de género querendo-o, apenas, por uma série de razões. Para começar, se fosse dada a escolha, ou se tal fosse biologica e socialmente possível, não haveria tanta discriminação. A discriminação é um factor exclusivo da escolha da orientação sexual. Este pensamento é muito fácil de se ter: se fosse possível a todos os níveis a escolha de uma orientação sexual, primeiro, toda a gente experimentaria momentos em que estaria mais predisposto a ter uma outra orientação sexual para além daquela que tem, fosse através de atracções indesejadas que se transformariam em autênticos desejos, fosse através de momentos de frustração para com o mundo, em que o que se deseja é mudar; segundo, tendo já experimentado num momento ou noutro a escolha, podendo até haver algumas experiências a nível sexual, toda a gente saberia o que é ser algo mais que a sua própria orientação sexual; terceiro, a discriminação excluir-se-ia, então, por não haver lugar numa sociedade em que tal coisa tão importante se pudesse escolher tão facilmente - haveria uma habituação a essa escolha que levaria a que fosse a própria discriminação o objecto discriminado. Parece algo paradoxal, mas não o é. Veja-se, por exemplo, um caso artificial: o aparelho nos dentes. Se, dantes, qualquer criança que usasse um era discriminada e gozada por usar tal coisa, actualmente não só não se é gozado nem discriminado por se ter um aparelho nos dentes, como há quem os ponha sem precisar de o usar, apenas porque acha que lhe fica bem. Na mesma lógica, fosse por protesto social, por questão de estilo, por ser moda, ou, simplesmente, porque podia, haveria muito mais gente a trocar a sua orientação sexual por outra para poder encaixar no seu dia a dia.
Mesmo argumentando que seria uma escolha única e imutável a posteriori, tal continua a não fazer sentido. Para começar mantém-se a questão da discriminação servir como processo de exclusão desta ideia por continuar a ser incompatível com a escolha, seja ela reversível ou não; isto porque haveria sempre a questão da moda, do protesto ou de outras razões perfeitamente válidas para se tomar tal decisão. Depois, a escolha não é compatível com a própria natureza do espectro de sexualidades. Isto porque se trata de um espectro que, apesar de vasto e com infinitos intervalos possíveis dentro de si, tem um rigor na definição desse intervalo que é extremamente difícil de emular numa escolha consciente. É difícil saber-se exactamente até que ponto é que se é "predominantemente homossexual" e se passa a ser "ocasionalmente homossexual", que percentagem de cada um deles é que estará presente na vida sexual da pessoa, e por aí. A falta de rigor nas escolhas humanas excluem, também, a hipótese de ser uma escolha, por mais definitiva que seja. Por fim, um não aumento do número de pessoas que não são heterossexuais, aumentando, isso sim, por causa da abertura social que hoje se vive, o número de pessoas que se assumem como algo para além de heterossexuais (que há uma certa diferença entre um inquérito anónimo em relação às práticas sexuais e a assumpção de algo publicamente), revela que não se trata de uma escolha, que há um certo equilíbrio numérico entre a orientação sexual predominante (inegavelmente, uma predominância da heterossexualidade) e as outras orientações sexuais. Depois, toda esta questão da escolha acarreta um problema: se há uma escolha a ser feita em determinado momento da vida de uma pessoa, o que é que essa pessoa é, sexualmente, até esse ponto? Não faz sentido a questão da escolha numa sociedade como a nossa, onde há crianças que iniciam a actividade sexual aos 11 ou 12 anos, que não têm a capacidade intelectual desenvolvida para poderem fazer uma escolha que mude a sua vida conscientemente. Não faz igualmente sentido, até esse ponto, as pessoas serem assexuadas. E que ponto é esse? O ponto em que se inicia a actividade sexual? Então e aqueles indivíduos que têm 40 anos e ainda não tiveram relações sexuais, são assexuais ou permanecem virgens porque adiaram a sua escolha? Ou escolheram antes e arrependeram-se? Ou o ponto é outro, algures depois da puberdade, onde todas as experiências sexuais anteriores foram meras apalpadelas de terreno para ver do que se gosta mais? Todas estas questões são, claro, ilustrativas do ridículo que a falsa questão da escolha acarreta. Falsa, obviamente, porque não é questão nenhuma. Não se trata de perguntar "E se for?" - trata-se de afirmar "Não é!"
No entanto, apesar de não se tratar, claramente, de uma escolha, ponha-se o advogado das questões LGBT e seu defensor no lugar daqueles que dizem que é uma escolha. Suponhamos por uns momentos que se trata, de facto, de uma escolha, que os homossexuais são homossexuais porque o querem, que os bissexuais escolheram ser assim para terem mais possibilidades e que os heterossexuais escolheram ser heterossexuais porque há uma certa geometria nas mamas que lhes é apelativa (embora isso fosse já um sinal extra-escolha; mas para este estudo de caso bastante faux, digamos que é, meramente, pelo efeito estético que as mamas poderão produzir e nada mais). Por esta altura o defensor dos direitos LGBT depara-se com um problema que eu, sendo-o, naturalmente me deparei. É que, geralmente, quem defende causas como as dos direitos LGBT, tem uma visão do mundo mais aberta que aqueles que não se dedicam tanto a este tipo de causas. Há toda uma visão de possibilidades infinitas e de potencialidades humanas que poucas outras pessoas são capazes de reconhecer. Assim, quando confrontado com esta formulação ("E se fosse mesmo uma escolha?"), o apoiante das causas LGBT devolverá com outra pergunta. A pergunta é aquilo que causa mais embaraço nos supostos democratas que atropelam os direitos LGBT porque, realmente, não saberão que responder.
"E depois?"
É esta a pergunta. E depois, se fosse uma escolha? Há liberdade de associação livre, há liberdade política, há liberdade de se ser de qualquer religião ou de não se ser de religião nenhuma, há liberdade de escolha num inúmero leque de decisões quotidianas que têm de ser tomadas, e que o são com toda a liberdade. Assim, porquê negar o acesso a direitos humanos ("os direitos gay são direitos humanos", lembram-se?) apenas com base numa escolha de vida? Porquê segregar todo um grupo de pessoas que só quer ser feliz e condená-los a viver num regime persecutório, onde há uma norma à qual não se pode fugir? Novamente, temos a discriminação como algo paradoxal em relação à escolha. Ou, pelo menos, sê-lo-ia se fossem pessoas minimamente decentes a colocar a falsa questão da escolha - embora compreenda porque não o podem ser, porque na falsa questão da escolha não há lugar à existência de pessoas decentes. O tipo de gente que diz que ser-se LGBT é uma escolha é o mesmo tipo de gente que nega a liberdade de associação, que repudia a liberdade política e que põe em causa a laicidade do Estado. Tratam-se de pessoas que, publicamente, se assumem como democratas, mas depois, nas suas escolhas e convicções são opressores, são aqueles que suprimem os direitos de todos os que não são homens, heterossexuais e com rendimentos mensais brutais. Os conservadores, como também são chamados, são os piores inimigos dos LGBT porque atropelam os seus direitos e têm consciência do que estão a fazer. São aqueles que acreditam piamente que estão a fazer a coisa certa, mas o pior louco é o que acha que é são.
E, pior ainda, são os conservadores que dizem que, mais que uma escolha, ser-se LGBT é tratável. Porque o que, para eles, é diferente, é um horror, uma aberração, uma doença, algo que deve ser tratado. Mas não é; é, simplesmente, não se ser como a maioria porque não se tem outra hipótese. Nenhum LGBT escolhe ser discriminado uma vida inteira, ter menos direitos, acabar por ter menos possibilidades. Nenhum LGBT escolhe sê-lo numa sociedade que torna o seu dia-a-dia num Inferno na Terra. E, no entanto, existem. Não há outra hipótese. Nasce-se assim, morre-se assim. Não é uma escolha - é, apenas, ser-se diferente.
(NA PARTE SEGUINTE:
II - A segregação LGBT e o direito a ser diferente.
III - As questões fracturantes.)
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