2010/05/16

O princípio de algo novo

     Rómulo, assim chamado sabe-se lá porquê, talvez um nome antigo, quiçá, foi criado, como o seu irmão gémeo, Remo, por uma loba. Esta loba, canídea como as outras, não esperava um dia virem-lhe bater à toca duas crianças humanas, bebés de não se sabe quantos meses, ou dias, cor-de-rosa, gorditos e baixitos, filhos, talvez até, de caçadores ou de criadores de gado que já tinham ido atrás dela e dos seus parentes, aparentados ou amigos. Mas as duas crianças, dizia eu, apareceram não se tem bem a certeza de onde, pensa-se que daquele povoado acolá, ou daquela aldeia dali, ou da tribo nómada que ainda ontem passou por aqui. A loba, importa dizer-se, não lhes deu logo as tetas para eles chuparem como mostra a figura de barro encontrada algures por um aprendiz de arqueólogo que pensou estar a fazer uma descoberta importante, e fê-la mesmo, só a figura é irreal porque não se passou vem assim, a loba não lhes deu logo as tetas, primeiro cheirou-os, cheirou-lhe a humano, a inimigo humano, caçadores de coelhos e rivais de alimento, seguidamente rosnou-lhes e ladrou-lhes e os bebés, Rómulo e Remo, assustaram-se e começaram a chorar e a loba, desabituada a esse som, assustou-se também e fugiu uns metros antes de pensar, espera lá que aquilo eram só crias, e, portanto, voltou para trás e cheirou os tais bebés humanos, cheiro curioso, cheiravam a suor, por isso era provável que a sua progenitora ou o seu progenitor estivessem por perto e os tenha deixado cair do dorso, ou talvez tivessem fugido, por ser loba não podia saber que ainda demoram uns quantos meses antes de começarem os bebés a gatinhar, quanto mais a andar depressa, isso só lá para o ano. De seguida provou os bebés, mas não os dois, pois se cheiravam ao mesmo, não era burra, era loba, sabiam, obviamente, ao mesmo, mas não foi à dentada que os provou, foi com a língua e, outra vez, teve a sensação de suor, antes nos terminais de cheiro no nariz, agora nas papilas gustativas da língua. Remo, o que estava à direita da loba de quem a vê de costas, evidentemente, mesmo visto de frente estava sempre à sua direita, era o que chorava mais alto e, via-se, estava mais habituado ao calor das mamas da mãe do que ao pêlo sujo e áspero da loba que, com as crias que ela própria dera à luz, deitara-se ao meio daquelas novas crias, nuas, sem pêlo e emissoras de um som esquisito, sobretudo Remo, mas também um pouco Rómulo, que agora já está de boca aberta à procura do mamilo da mãe, mas vai-se contentar com a teta da loba que deitava um leite adocicado e de cheiro forte, tão bom e tão diferente do hábito que foi dos irmãos.

Sem comentários: