2010/04/23

O Amor e a Pessoa Certa: Parte II - Sobre a Pessoa Certa

Assumindo que quem está a ler estas linhas leu o meu post anterior, presumo que saibam o que eu escrevi lá sobre o "amor". Se não leram ainda, vão ler. Vá, eu espero.


Existe, realmente, a "pessoa certa". Se existe uma tríade do amor (intimidade-compromisso-paixão), e se essa tríade representa o amor numa qualquer forma mais verdadeira, então assumo que a pessoa por quem se assume esse tipo de amor é a designada "pessoa certa". Muitas vezes dizemos, nós seres humanos, que encontrámos uma pessoa, mas que acabou por não ser a certa e nos desiludiu imenso. Seja por infidelidade ou por problemas de cama. Considero isto errado. A pessoa era a certa; quem se queixa da desilusão é que não era a pessoa certa para quem quem deu problemas.
Considero isto uma característica que se prende muito ao ser humano e que é sempre verdadeira: só olhamos para o nosso umbigo. Muitas vezes aquela pessoa é a certa para nós, mas nós não somos para essa pessoa. Mas, como boa gente que somos, temos um je ne sais quoi de egoísmo inerente, natural e inalienável e temos tendência a culpar o outro. Mesmo que isso implique um profundo desgosto e subsequente depressão por aquela pessoa não ser bem aquilo que esperávamos. Mas sermos nós a pessoa errada? Não, nós somos sempre certos para toda a gente.
É, também, uma questão de probabilidades. A probabilidade de se encontrar alguém por quem nutrir o verdadeiro amor já é relativamente reduzida. Encontrar alguém que nutra por nós o mesmo tipo de amor é, igualmente, reduzida. Então para essas duas pessoas se juntarem... Muita matemática...
Que fique assente que não proponho nenhum tipo de modelo pseudo-divino de predestinação. Para uma pessoa ser a pessoa certa é preciso trabalho. Não basta, como disse no outro post, ter todos os elementos de um verdadeiro amor para o ter; é preciso lutar para o conservar. E não ter a presunção de que, se aquela é a pessoa certa, se nos amamos mutuamente, aquilo durará para sempre.

É claro que, por vezes, é o outro que deixou de ser a pessoa certa. Mas, se nós temos por determinada pessoa o verdadeiro amor, com a paixão, o compromisso e a intimidade, todos no lugar, essa pessoa é a certa. Se perdemos o amor, perde-se a 'certitude' da pessoa. Ou se a pessoa perde o amor, perde-se o nosso estatuto de "pessoa certa". O ideal era deixarem de ser, ambos, ao mesmo tempo, pessoas certas um para o outro. Perdiam ambos o amor, deixavam ambos de ser pessoas certas, não havia culpas. Ou então que pudessemos controlar quem amamos. Porque é possível escolher com quem ser intímo e ter uma amizade. É possível escolher com quem establecer um compromisso e um vínculo. Mas é impossível escolher por quem nos sentirmos apaixonados e sexualmente atraídos. E isso retira, por si só, a opção ao amor.

Por ser apenas necessário que se perca um dos elementos do triângulo de Sternberg para que se perca o amor, também é apenas necessário que se perca um desses elementos para que se perca a pessoa certa.
Se eu perco o compromisso, provavelmente serei infiel, ou descuidado e a relação termina.
Se eu perco a paixão, provavelmente não satisfarei o outro ou a mim mesmo, poderei até procurar satisfação noutros sítios, com outras pessoas e a relação termina.
Se eu perco a intimidade, perco a amizade, torno-me frio e distante da outra pessoa e a relação termina.
Se a relação termina é, então, porque se perdeu o amor. Se se perdeu o amor, a pessoa deixou de ser a certa. Logo, a relação termina porque a pessoa deixou de ser a pessoa certa.

Em termos mais práticos, assumindo que quem me leu já sentiu amor por outra pessoa, quando se está com uma seta de Eros nas costas, os defeitos do outro são inexistentes. Quando se começa a perceber que o outro, afinal, tem este ou aquele defeito e se começa a trabalhar para se conseguir ultrapassá-los, é a mostra, para mim, mais pura do amor. "Interesso-me pelos teus defeitos, sei que eles existem, não os posso ignorar, por isso quero resolvê-los contigo". Não que anteriormente não haja amor. Mas é um amor onde, provavelmente, só quem não vê os defeitos é que está perdido; o outro não sentirá o amor que este sente, logo, quem não vê os defeitos procura que o outro saiba que é, aos seus olhos, a pessoa mais perfeita do planeta. Mas, a existir uma relação amorosa entre ambos, é através do interesse, descoberta e trabalho em relação aos defeitos do outro que há um verdadeiro amor.
Da mesma maneira, quando há um rompimento na relação por causa de um qualquer defeito de um deles, isso significa que, ou já não há, ou nunca houve o amor verdadeiro. Isto porque, para duas pessoas romperem uma relação por causa de um ou mais defeitos de um deles, significa que já não há a intimidade/amizade. Em não havendo isso, não a procura conjunta de soluções para os seus problemas; é um mar de discussões até, eventualmente, a relação acabar.

Nos casos de violência para com uma das pessoas, onde se alega que ainda poderá haver amor, é apenas a personalidade violenta do agressor, basta apenas dizer que, se há violência por uma das partes, não há respeito pelo outro. Se não há respeito, não há nem intimidade, nem compromisso. O que poderá haver é uma paixão desmesurada, que leva a uma líbido incontrolável.

Em suma, há pessoas certas. A pessoa certa é toda aquela para quem nós dirigimos o nosso amor e, esforçando-nos, conseguimos ultrapassar os obstáculos. Mas a pessoa certa não é, nem pode (é um dos maiores riscos numa relação), ser tomada como definitiva. Nem como única, porque o ser humano é capaz de amar tantas pessoas quantas as oportunidades que tiver para tal. Nem como pre-destinada, porque se há algo que é necessário é a escolha prévia de quem se torna nosso íntimo e com quem, posteriormente, establecemos um compromisso. A única coisa que é incontrolável é a paixão, que é formada apenas pelos nossos instintos sexuais e de desejo. Logo, o amor, sendo algo incontrolável, é o que faz com que aquela pessoa, de todas as outras, seja, agora, a certa.

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