2010/11/08

De escravos

Os escravos de hoje em dia não estão agrilhoados. Os escravos contemporâneos não trabalham por medo ao chicote. Os escravos, que agora são mais numerosos que nunca, nem vivem muito mal, a maior parte deles. Os escravos de hoje são pagos pelo seu trabalho (mal ou bem), têm direito ao voto e são escravos. Os escravos que hoje são escravos, são-no mentalmente. As piores prisões que existem são as prisões do pensamento. A mente dos escravos está agrilhoada, têm medo das chicotadas metafóricas do olhar de lado ou da opinião pública, está a apodrecer viva e exerce mal os direitos que tem. Os escravos de hoje em dia movem-se para a frente e para trás, todos os dias na mesma rotina, sem fazer nada de novo. Deixam-se modelar pela opinião pública e levam-se não pelo seu próprio pensamento, mas por uma espécie de pensamento colectivo, que a maior parte tem. Os escravos dizem que não gostam de qualquer coisa, mas acabam por o fazer repetidamente com medo do que os outros possam pensar.

Os escravos de hoje em dia votam PS e PSD, porque acham que ninguém fará melhor. E porque é bonito votar no que toda a gente vota. E porque é bonito achar que as sondagens têm razão. E porque é bonito dizer "o meu partido pode ser uma merda, mas foi o que ganhou". Novidades para os escravos: qualquer um dos partidos da AR, sem ser esses dois, faz melhor. Pior, de certeza, nunca farão.

Os neo-escravos estão convencidos que a comunicação social é verdadeiramente boa. Mas esquecem-se que Portugal não tem só as cores laranja e rosa. Tem também vermelho, verde, preto, amarelo, azul, branco... Os neo-escravos olham para os jornais e vêm as guerras ao bom estilo de uma má telenovela (haverá alguma boa?) entre PS e PSD e convencem-se que tem de ser assim. Novidades para os escravos: não tem de ser assim. Haja abertura de mente e visão do mundo e Portugal ficará muito melhor.

Os escravos que hoje por aí pululam, são presos. E, pior que presos, são egoístas e lambe-botas. Quantas vezes não se ouve "para quê aderir à greve geral se até nem estou assim tão mal"? Quantas vezes dá vontade de dar um bom par de estalos a quem pensa assim? E os que estão mal, só porque estão mal não podem ser acompanhados na luta? E os escravos já se perguntaram porque é que, em vez de 'menos mal', não estão bem? Não querem estar bem? Novidades para os escravos: hoje eles, amanhã vocês.

Os escravos são pessoas que gostavam de ser patrões. E, portanto, voluntariam-se a ser escravos porque fica bonito. Porque se o patrão o vir assim, prontinho a ajudar, contra os comunas dos sindicatos e sempre PS-PSD, viva, hurra, que tanto defendem o patrãozinho. Novidades para os escravos: quando faltar o dinheiro, o patrão não vai cortar nele. Vai cortar em vocês.

Os escravos de hoje em dia não aderem a greves gerais, nem a manifestações, porque são coisas que provocam instabilidade social. Provocam tumultos e esses escravos gostam de ser escravizados em paz e sossego, sem muita confusão, que lhes dá cabo da cabeça e não ganham o suficiente para os 'bénurons'. Os escravos de hoje em dia não gostam de lutar porque do que gostam mesmo é de ficar de papo para o ar sem fazer nada. Novidades para os escravos: as instabilidades, as confusões e os caos já foram instaurados. As greves e manifestações são demonstrações públicas de indignação.

Depois há os trabalhadores. Os trabalhadores sabem que as coisas podem ficar melhores e não votam PS/PSD. Os trabalhadores desligam das novelas obsoletas e romanescas do Sócrates com o Passos Coelho e sua relação amor-ódio e dedicam a sua atenção às propostas e ao que os outros, mais sérios, dizem. Os trabalhadores querem ter uma vida melhor, bem melhor que a que têm agora que, em grande parte dos casos, é má. Os trabalhadores vão contra o patrão, não lhe beijam o rabo e o chão por onde passa, e fazem greves e participam em manifestações, sempre que possível. Quando não é possível (por causa de ameaças, ou outros motivos), ou fazem-no à mesma, ou arranjam outras formas de luta e protestam à mesma contra as injustiças.

Novidades para os escravos: vocês podem ser trabalhadores. Basta quererem.

E tu, queres ser neo-escravo ou queres ser trabalhador?


Este blogue estará de greve, assim como o seu escritor, no dia 24 de Novembro de 2010.

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